08 dezembro 2006

Árvore da Lagoa - Cora Rónais



Assassinato por logotipo: o Natal agoniza na Lagoa
A linda árvore luminosa vira uma garota-propaganda sem-vergonha
Cora Rónai


Promessa é dívida: semana passada, prometi uma foto da árvore armada a bem dizer dentro da minha casa. Ei-la. Quem leu aquela coluna sabe, também, que minha primeira impressão não foi das melhores. Estranhei as bolas vermelhas mas, ao vêlas iluminadas à noite, acabei gostando; e devo reconhecer que, com a convivência, já nem as acho mais tão feias durante o dia. Mas isso é questão de somenos. O problema de verdade é que, este ano, a seguradora responsável pela árvore e pelo auê à sua volta pisou na bola. Tanto, e com tal falta de sensibilidade, que nem aquela coleção de cidades brasileiras basta para absorver o choque.

Não há quem não saiba que a árvore da Lagoa é da Bradesco Seguros. Até aí, tudo bem; de alguém tinha que ser. O que nem todo mundo sabia é que é montada, pelo menos em parte, com os nossos suados caraminguás, posto que tira partido da Lei Rounet. Até aí, também, poder-se-ia argumentar que é um bonito espetáculo, que tem sua graça e que alegra a cidade. Mas o que não tem defesa, explicação ou perdão é a novidade perversa deste 2006: o logotipo do Bradesco brilhando nas águas da Rodrigo de Freitas.

Sabemos todos que o Natal virou uma data comercial e que tudo é mercado, mas há (ou deveria haver) um limite para certas coisas. A propaganda que conspurca a linda idéia da árvore seria inadequada ainda que o banco arcasse, sozinho, com toda a festa; torna-se imoral, porém, quando se sabe que esta é financiada com recursos públicos. Eu já ia perguntar onde estão as autoridades que não vêem isso; mas numa cidade onde a própria prefeitura acha normal destruir o Aterro do Flamengo com um projeto indecente, a única coisa que nos resta é tocar um tango argentino. Quanto mais não seja, como homenagem, já que Buenos Aires, pelo menos, está longe de ser a casa da Mãe Joana em que transformaram o Rio de Janeiro.

Publicado no Jornal O Globo, Segundo Caderno, 07 de dezembro de 2006


Anúcio ofusca símbolo de Natal do Rio
Prefeito diz que autorizou Bradesco a colocar logomarca em árvore da Lagoa


Em sua 11. edição, a árvore de Natal da Lagoa está dando o que falar não por seus 82 metros de altura ou por algum tipo de decoração especial. Como destacou Cora Rónai ontem, em sua coluna no Globo, uma polêmica vem ofuscando os 2,8 milhões de microlâmpadas, os 35 mil metros de mangueiras luminosas e os quatro canhões de luz usados na iluminação da Bradesco Seguros e Previdência.

É que o já tradicional símbolo natalino da cidade virou meio de publicidade da empresa, que confirmou estar usando um grafismo que representa sua logomarca sobre as velas natalinas que aparecem numa das fases da iluminação, remetendo à mensagem de proteção da Bradesco para o Natal da família brasileira.

Segundo José Durval Fagundes, advogado especialista em direito administrativo, a lei proibe publicidade em espaços públicos, como a Lagoa: - Qualquer tipo de atividade em espaços públicos que gere vantagens econômicas para a iniciativa privada requer regularização da prefeitura.



Incentivo fiscal foi usado só em concerto de inauguração


A Bradesco Seguros não esclareceu se recebeu autorização para o anúncio. De acordo com a Secretaria Municipal de Fazenda, responsável pela regularização da publicidade na cidade, não houve solicitação de qualquer tipo de propaganda na árvore. Já a Secretaria de Governo informa que a autorização dada pela Coordenadoria de Licenciamento e Fiscalização diz respeito apenas à colocação da árvore na Lagoa.

- No processo que recebo para a montagem da árvore, o que vem são croquis de onde vai ficar a árvore e como ela vai se locomover pela Lagoa, por exemplo. Já o que diz respeito á criação do artista, Abel Alves, não passa por nós. Se há propaganda irregular, não sei dizer o que a prefeitura fará. Não é da minha área - disse a subsecretária de Eventos da prefeitura, Ana Maria Maia.

Mas o prefeito Cesar Maia afirma que deu uma autorização pessoal para a propaganda.

- Sim, (a autorização foi) minha, pessoal, e com dispensa de taxas. São publicidades de apoio a eventos, e não continuadas.
Autorizo há anos. Sem publicidade não há evento. Não há doação celestial de recursos.
Minimizamos o investimento de dinheiro público fazendo parcerias com o setor privado.

A novidade não desagradou só a Cora Rónai, que conta que há uma fase da iluminação em que a árvore fica coberta de centenas das arvorezinhas símbolo da empresa. Alguns leitores também escreveram para o blog da colunista, insatisfeitos.

- O Natal do Rio virou uma comemoração da Bradesco, que monopolizou a festa, hoje com uma natureza estritamente comercial. Nem as árvores do Aterro o prefeito monta mais - disse o advogado João Alberto Graça, morador da Lagoa.


Vera Soares, superintendente de Comunicação da empresa, esclarece que os recursos da Lei Rouanet, de R$ 1,37 milhão, foram aplicados no concerto de inauguração da árvore. No total, foram investidos R$ 3,2 milhões no maior enfeite natalino do Rio, sem benefícios fiscal.


Matéria de Paula Autran, publicada no Jornal O Globo, 08 de dezembro de 2006