01 fevereiro 2007

Niemeyer 2












A essência de Niemeyer
Centrada nos projetos de seus últimos dez anos, exposição no Paço Imperial mostra que as curvas livres ainda são a marca do arquiteto



Ele é o homem que fez as obras-primas de Brasília e Pampulha. É também o homem cuja cor preferida é o vermelho, que gosta de Baudelaire, De Sica, Picasso e Villa-Lobos, que não acredita na sobrevivência da alma, que mantém Marx e Lênin como heróis. É ainda o homem que continua criando grandes obras de arquitetura, como o Museu de Arte Contemporânea, em Niterói, o pavilhão feito para a Serpentine Gallery, em Londres, o Auditório do Ibirapuera, em São Paulo, o Museu de Brasília. E no momento projeta outras para Recife, Minas Gerais, Amazonas e Áviles, na Espanha. Aos 99 anos, a dez meses de completar 100, o arquiteto Oscar Niemeyer continua acumulando projetos. Em homenagem não só ao ano de seu centenário, mas de um centenário ativo, o Paço Imperial inaugura amanhã, para convidados, e na terça-feira, para o público, a exposição “Oscar Niemeyer 10/100”, centrada em sua produção dos últimos dez anos.

— Celebramos não apenas o fato de Niemeyer fazer 100 anos, mas de fazer 100 anos completamente ativo, criando — diz Lauro Cavalcanti, diretor do Paço e curador da mostra. — Seu reconhecimento internacional, sobretudo entre os jovens, está no auge. Ele percebeu a limitação de a forma servir à função. A forma também é uma função, e a da arquitetura é emocionar as pessoas, sair do cotidiano massacrante. Depois do esgotamento do modernismo racionalista e do pós-modernismo, os jovens hoje voltam ao modernismo doce, como o do Niemeyer.

Como parte do projeto Atelier Finep, que mostra o processo de criação de artistas, a exposição reúne, além de 17 maquetes, fotografias e 80 desenhos, enfocando o desenvolvimento dos projetos. Nunca tantos originais saíram da Fundação Oscar Niemeyer, que organizou a mostra ao lado de Cavalcanti, que é arquiteto, amigo de Niemeyer e autor do livro “Moderno e brasileiro”, lançado no ano passado. Entre os desenhos livres, estão os de corpos femininos, que sempre lhe inspiraram as curvas e desenhos de projetos políticos, como o do Memorial 9 de Novembro, em Volta Redonda. Há ainda uma sala de fotografias de Marcel Gautherot, da construção da Pampulha e de Brasília. A mostra traz ainda duas esculturas de Niemeyer, que terá outra delas inaugurada na próxima terça-feira, nos jardins de Bercy, em Paris.

Integração entre artes plásticas e arquitetura

— Gosto de criar esculturas, como a que desenhei para Paris. Sempre me manifestei favoravelmente à integração entre a arquitetura e as artes plásticas — afirma Niemeyer, por e-mail. — Quando projetei a Igreja da Pampulha, previ uma fachada toda de azulejos e chamei o Portinari para fazer a pintura. Agora estamos concluindo o teatro do Caminho Niemeyer, em Niterói. Eu previa a fachada com grandes desenhos, como na Igreja da Pampulha; no entanto, a verba era curta e não foi possível contratar um pintor para realizar os desenhos. E resolvi eu mesmo elaborá-los. São mulheres dançando, enormes, como eu desejava. Entusiasmado com o que fazia, fiz outro grande mural no interior do teatro, um croqui que eu tinha desenhado com 60cm e ampliei para 40m.

A arquitetura de Niemeyer mantém sua essência lúdica, de curvas, permitidas pelas possibilidades do concreto armado. Uma inovação foi o pavilhão temporário criado em 2003 para a Serpentine Gallery, em que uma estrutura metálica foi usada, segundo Niemeyer, por exigência dos ingleses, numa “nova e interessante experiência”. O prédio é um dos cinco feitos nos dez últimos anos em destaque na exposição. Ele está ao lado do Auditório do Ibirapuera, espaço para 850 pessoas previsto no projeto original do parque, de 1951, mas só inaugurado em 2005; do ousado Museu de Brasília, inaugurado em 2006; e, em Niterói, do MAC e do Caminho Niemeyer — sem data para ficar pronto, incluindo, entre outros, teatro, praça, museu, catedral, templo evangélico e a futura sede da Fundação Niemeyer.

— Oscar mantém uma essência que quase todo grande autor mantém, mas realiza coisas que concebeu mas não podiam ser executadas, como o vão da cúpula do Museu de Brasília, de 80 metros — afirma Cavalcanti. — Ele tem grande senso de intervenção urbana. No Ibirapuera, unifica prédios isolados pela marquise, num passeio permitido pela arquitetura. Ele consegue implantar o MAC sem tirar um pedaço da paisagem. A curva do museu é totalmente paralela à do Pão de Açúcar, e a água em volta do MAC ecoa a Baía de Guanabara.

Em duas telas, são exibidos, em imagens em computador, 40 projetos recentes, sempre desenvolvidos com o arquiteto Jair Varela e o engenheiro José Carlos Sussekind. Entre obras mais antigas, estão maquetes da Editora Mondadori, em Milão, um desafio de sustentação de colunas (“Para ele, arquitetura e estrutura são indissociáveis, diz Cavalcanti”); e do ousado Centro Cultural de Le Havre, na França: “Reconheço, sem falsa modéstia, que não me faltou coragem para desenhar as cúpulas do Congresso Nacional, que espantaram até a Le Corbusier, a nos afirmar: ‘Aqui há invenção.’ E pelos mesmos motivos agrada-me lembrar a praça do Havre que projetei na França, eu a dizer ao seu prefeito diante do terreno escolhido: ‘Gostaria de rebaixar o piso desta praça quatro metros.’ Recordo que ele me olhou surpreso, mas eu falava com tanta convicção que a praça foi rebaixada como pedi”, escreve ele em “Conversa de arquiteto”, reproduzido na mostra. No mesmo texto, ele mostra não querer olhar para o passado, ao falar sobre a necessidade de se construir a partir da tecnologia do presente, dando razão à afirmação de Alvar Aalto de que não existe arquitetura antiga e moderna.

— Quando o tema é importante, vale a pena utilizarmos a técnica em toda a sua plenitude — diz Niemeyer. — O que muda é a técnica, e os programas apresentados. Meus projetos têm por princípio reduzir apoios, procurar a forma diferente. É a arquitetura mais livre e audaciosa que prefiro.















Pavilhão para a Serpentine Gallery, em Londres, em que usa estrutura metálica

Acima, maquete do Museu de Arte Contemporânea de Niterói

Matéria de Suzana Velasco publicada no jornal O Globo do dia 28 de janeiro de 2007



‘Mais radical do que a nova geração’
Para o arquiteto Farès el-Dahdah, novos arquitetos usam a curva como norma


A arquitetura livre e audaciosa faz com que Niemeyer exerça o tal fascínio sobre os jovens, de que fala Cavalcanti, e por muitos seja considerado mais de vanguarda do que grande parte da nova geração, como considera o arquiteto Farès el-Dahdah, que cresceu em Brasília e tem publicada a tese “Apologia a Brasília”. Hoje professor na Universidade de Rice, em Houston, ele está escrevendo um dos texto para o catálogo da exposição, que será lançado em março.

— É no uso das curvas que Niemeyer prova ser mais radical do que a nova geração de arquitetos. Para ele, a curva foi concebida em direta oposição às construções ortogonais, assim como ao que estava se tornando norma na arquitetura moderna — diz el-Dahdah, que já fez projetos em colaboração com a Casa de Lúcio Costa e organiza, para a Fundação Niemeyer, os arquivos do arquiteto, com financiamento da Fundação Getty. — A curva de Niemeyer é o seu modo de criticar a norma e é a ferramenta com a qual ele sempre busca alternativas. Isso infelizmente não se aplica à mais nova geração de arquitetos, para quem a curva é a norma e a conseqüência natural de um relacionamento fluido entre design e fabricação.

Mostra também destaca Pampulha e Brasília

E a curva, “livre e sensual”, como diz seu “Poema da curva”, está lá, desde o Complexo da Pampulha, seu primeiro projeto nos moldes sinuosos e que, de tão inovador, fez com que o arcebispo de Belo Horizonte se recusasse a consagrar sua igreja. A mostra reúne um desenho e uma maquete de Pampulha, além de uma escultura inspirada em suas formas, dos anos 2000. Outros destaques entre os clássicos são maquetes dos edifícios de Brasília e um desenho em homenagem a Lúcio Costa; a Universidade de Constantine, na Argélia; e a sede do Partido Comunista da França, que o governo francês estuda classificar como patrimônio nacional.



Atelier FINEP mostra processo criativo
Paço tem projeto desde 1994

Desde 1994, o Atelier Finep revela os métodos de pesquisa e criação de artistas, no Paço Imperial, em parceria com a Financiadora de Estudos e Projetos, a Finep. Pelo projeto já passaram nomes como Anna Bella Geiger, Waltercio Caldas, Cildo Meireles, Eduardo Sued, Beatriz Milhazes, Tunga, Lygia Pape, Ivens Machado e Franz Weissmann. Agora, o Atelier Finep mostra as etapas de criação do arquiteto Oscar Niemeyer.

— Existe um mito de que Niemeyer faz um risco e o projeto está pronto. Mostramos a mudança de soluções que ele dá a cada obra, como o pavilhão da Serpentine Gallery — afirma Lauro Cavalcanti.


Jornal O Globo, 28 de janeiro de 2007