16 maio 2008

Tradução de Machado de Assis para o português



Enviado por Miguel Conde - 16/5/2008- 9:00
A primeira tradução de Machado de Assis para... o português
Não, você não leu errado o textinho na imagem aí ao lado. É mesmo um livro de Machado de Assis, o romance "Quincas Borba", que segundo os registros da Fundação Biblioteca Nacional foi "traduzido" por um certo Pietro Nassetti para a brasileiríssima editora Martin Claret, aquela dos livrinhos de R$ 9,90 vendidos em banca de jornal. A edição insólita foi descoberta pela tradutora Denise Bottmann, que tem organizado um movimento pela valorização da atividade de tradutor no Brasil.
A pioneira tradução do português para o português seria um trabalho de vanguarda, uma edição conceitual inspirada nos jogos literários do argentino Jorge Luis Borges, ou, mais simplesmente, uma dessas tentativas de se "atualizar" a prosa de um autor clássico para os padrões da língua corrente? Nada disso. Trata-se aparentemente do desdobramento acidental e non sense das estranhas realizações da Martin Claret, editora que vem publicando nos últimos anos, num ritmo impressionante, edição atrás de edição de obras clássicas estrangeiras - dessas que em geral exigem um trabalho de tradução cuidadoso, cansativo e demorado.
A chave do mistério poderia estar na produtividade de Pietro Nassetti, a quem a Martin Claret atribui um conjunto de traduções quilométrico (entre outros, Marx, Descartes, Rousseau, Nietzsche, Weber, Shakespeare, Kafka, Platão, Maupassant, Doistoiévski, Goethe, Sun-Tzu), a ponto de gente da área, como Ivo Barroso, já ter vindo a público dizer que é trabalho demais para um tradutor só. Quatro casos de plágios de tradução em edições da Martin Claret já foram confirmados: "Os irmãos Karamazov", "A República", "As flores do mal" e um volume único com três textos de Kafka: "A metamorfose", "Um artista da fome" e "Carta a Meu Pai".
A incompreensível "tradução" do português para o português parece ter sido mesmo, portanto, uma trapalhada de quem está acostumado a simplesmente atribuir a Pietro Nassetti a tradução de quase todos os livros que edita. O estranho nisso tudo, porém, não é apenas o papel da editora. Afinal, não é inusitado que uma "tradução" para o português de Machado de Assis seja enviada à Biblioteca Nacional e receba normalmente um número de ISBN, como se não houvesse nada de errado? Uma pesquisa pelo site da Biblioteca mostra que esse não é o único caso: também estão registradas lá traduções português-português de outros autores, como Bocage, José de Alencar, Gil Vicente e Tomás Antonio Gonzaga.
Parece que as traduções do português, raríssimas no mercado internacional, finalmente foram convertidas num lucrativo filão.