03 março 2009

Cuba: um ano de Raúl como Presidente

Raúl afasta ala leal a Fidel
Reforma muda 10 ministros, funde 4 pastas e demite homens ligados ao ex-líder



O presidente de Cuba, Raúl Castro, anunciou ontem uma profunda reforma em seu governo, afastando figuras proeminentes ligadas ao irmão, Fidel, substituindo-as por outras mais ligadas a ele, que acaba de completar um ano no cargo. Na maior reestruturação em décadas, tirou algumas das figuras mais destacadas do governo cubano, como o chanceler Felipe Pérez Roque e o vice-presidente Carlos Lage, que deixará a Secretaria do Conselho de Ministros.

Pérez Roque foi secretário pessoal de Fidel e ocupou a Chancelaria por quase uma década. Aos 43 anos, era um dos integrantes mais jovens da cúpula cubana e chegou a ser considerado uma alternativa futura para o governo do país. Segundo a nota oficial, concordou-se “em liberar o companheiro Pérez Roque e promover o viceministro Bruno Rodríguez Parrilla”, que foi embaixador de Cuba na ONU.

— Pérez Roque é alguém muito próximo a Fidel, construiu sua carreira trabalhando diretamente para ele — contou Phil Peters, especialista em Cuba do Lexington Institute, em Washington, dizendo ser cedo para saber como as mudanças afetarão as relações com o novo governo americano.

Já Lage, de 53 anos, aparentemente mantém o cargo de vice-presidente, mas seus poderes foram reduzidos.

Lage foi o arquiteto das modestas reformas econômicas da década de 90, que permitiram ao país sobreviver ao fim da União Soviética. Ele será substituído como secretário-executivo do Conselho de Ministros pelo general José Amado Ricardo Guerra, chefe da secretaria do ministro das Forças Armadas. Guerra temocupado altos postos no setor militar, que há décadas é comandado por Raúl.

A reforma vem dias depois de Raúl completar um ano como presidente, no último dia 24, período durante o qual os cubanos viram algumas mudanças, como a redistribuição de terras e maior acesso a aparelhos eletrodomésticos, mas também o agravamento da crise econômica, depois de o país ser castigado por três furacões, que causaram sete mortes e prejuízos de US$ 10 bilhões.


Mudança atrasada por furacões


Um comunicado do Conselho de Estado, lido na TV, explicou que a reforma condizia com o anúncio feito por Raúl, ao ser confirmado no cargo, sobre a necessidade de reduzir e reestruturar o governo. Segundo a nota, outras mudanças virão.

A reforma implica a mudança de dez ministros e a fusão de quatro pastas em novos ministérios, assim como a saída do governo de um dos 12 vicepresidentes do Conselho de Ministros, Otto Rivero — encarregado da “Batalha de ideias”, estratégia lançada por Fidel para recuperar valores da revolução. O vice-presidentede Governo Ramiro Valdés Menéndez ficará encarregado de sua coordenação.

— Raúl está simplificando o governo e colocando algumas pessoas suas, inclusive alguns militares, em posições-chave — disse Peters.

O ministro da Economia, José Luis Rodríguez, também vice-presidente do Conselho de Ministros, perdeu os dois cargos para Marino Murillo Jorge, titular do Comércio Interior. Foram fundidos Comércio Exterior e Investimento Estrangeiro, postos sob o comando de Rodrigo Malmierca; e os de Indústria Alimentícia e Indústria Pesqueira, a cargo de María Concepción González, ex-integrante do Secretariado do Partido. Também sofreram mudanças os ministérios de Ciência e Meio Ambiente; Finanças e Preços; Trabalho; e Indústria.

No dia 20 passado, Raúl Castro havia feito a quarta reestruturação em seu Gabinete, promovendo três importantes membros do governo a vicepresidentes do Conselho de Ministros. Os ministros Ramiro Valdés, de Telecomunicações eInformática; Ulises Rosales del Toro, da Agricultura; e Jorge Luis Sierra,dos Transportes, mantiveram suas pastas e acumularam funções de outros organismos.

O primeiro aniversário do governo de Raúl foi marcado por frustração. As mudanças foram atrasadas, segundo ele, devido aos furacões que atingiram o país. Foram 500 mil casas destruídas ou avariadas, milhares de toneladas de alimentos perdidas num país que importa 80% do que consome, e linhas de energia interrompidas.

Por outro lado, Raúl — que assumira interinamente o cargo após uma misteriosa doença intestinal de Fidel, em 2006 — conseguiu algum êxito internacional.Retomou as relações com a União Europeia, ressuscitou a velha aliança com a Rússia, mantém fortes vínculos com Venezuela e China e ganhou apoio da América Latina, sendo admitido no Grupo do Rio. Com as mudanças, Raúl parece quererimprimir sua marca no governo herdado do irmão, que desde 2006 não aparece em público.


Mudanças em 1 ano no poder


Desde que foi confirmado no cargo, em 24 de fevereiro de 2008, o presidente Raúl Castro fez uma série de mudanças, que foram da redistribuição de terras à autorização do uso de celulares — algumas delas definidas pelo então governo Bush como “cosméticas”.

AGRICULTURA: Foi descentralizada para permitir a produtores privados maior liberdade para decidir como usar a terra ou o que plantar, além de permitir a compra direta de ferramentas e insumos. Foram criadas delegações municipais para repartir terras ociosas, com a missão de fazer o campo produzir.

SAÚDE: Foi reduzida a burocracia para venda de remédios prescritos e foi reestruturado o programa Médico de Família, devido à falta de profissionais.

SALÁRIOS: Foi eliminado o teto salarial para criar incentivos aos trabalhadores.

CELULAR: Caiu a proibição para a compra de celulares. Antes, só eram permitidos a funcionários do governo e empresas estrangeiras.

HOTÉIS: Cubanos passaram a poder se hospedar em hotéis antes reservados apenas a estrangeiros.

ELETRODOMÉSTICOS: Caiu a proibição sobre a compra de produtos como computadores, aparelhos de DVD, forno de micro-ondas e outros artigos antes proibidos devido à crise de energia.

MORADIA: Cubanos que vivem em imóveis do governo podem agora obter o título de propriedade, mantendo-se na moradia mesmo após deixar o cargo ao qual a residência está vinculada.

PENA DE MORTE: O governo anunciou uma moratória, estudando a comutação das sentenças para prisão perpétua ou 30 anos de reclusão. A pena, no entanto, não foi extinta. Cerca de 30 prisioneiros seriam beneficiados, mas ela seria mantida para outros três.



Publicado no jornal O Globo em 03 de março de 2009, página 27