23 novembro 2009



Raúl mantem ativa repressão em Cuba
Human Rights Watch denuncia que pelo menos 40 dissidentes se tornaram presos políticos e pede maior pressão internacional


Gilberto Scofield Jr.






Amáquina repressora de direitos humanos e dissidentes políticos em Cuba continua ativa, apesar da saída do poder de Fidel Castro e das expectativas de mudanças políticas e econômicas depositadas no comando de seu irmão, Raúl, que o substituiu a partir de julho de 2006. Relatório da ONG de direitos humanos Human Rights Watch (HRW) sobre o estado dos prisioneiros políticos no regime de Raúl — intitulado “Novo Castro, mesma Cuba” — mostra que ao menos 40 pessoas foram presas nestes anos durante o novo governo, o que eleva as estimativas mais conservadoras sobre presos políticos na ilha para cerca de 250 pessoas.



Mas o número pode ser muito maior, diz Nik Steinberg, um dos pesquisadores da HRW que passou duas semanas realizando entrevistas (às escondidas) com 60 pessoas em sete das 14 províncias e liderando um grupo de investigação que trabalhou um ano dentro e fora de Cuba. Afinal, o instrumento de coerção mais utilizado no governo de Raúl Castro se chama “periculosidade”, um artigo do Código Criminal que permite ao Estado prender pessoas antes que tenham cometido qualquer crime, baseado na suposição de que possam “cometer ofensa no futuro”.

— Sob este instrumento são presos os dissidentes e ativistas, mas também qualquer um que reclame da situação econômica ou da falta de salários decentes. Isto cria uma atmosfera de medo constante entre os cubanos de que suas palavras possam ser usadas contra si próprios ou sua família caso reclamem do governo. E pode triplicar a quantidade de dissidentes presos — diz Steinberg.

— Em três anos no poder, Raúl Castro tem sido tão brutal quanto seu irmão — afirmou José Miguel Vivanco, diretor para as Américas da HRW. — As armas mais comuns de Raúl são a detenção pura e simples, mas há outras formas de coerção, como espancamentos, como ocorrido recentemente com a blogueira Yoani Sánchez, ou negação de trabalho.

Ao contrário da impressão que se tem de que a internet ajudou a dar voz aos cubanos, a imensa maioria continua sem acesso à rede.

— O acesso à rede custa US$5 por 15 minutos, e isso equivale a um terço do salário mínimo do país — diz Steinberg. — Além disso, a rede é censurada e muitos blogueiros não conseguem ver seus próprios blogs ou aprovar comentários de leitores, ou respondê-los.

Marcha por liberdade termina na prisão


Durante a gestão de Raúl, a HRW cita vários casos entre as 40 prisões políticas que tiveram mais repercussão entre os cubanos. Um deles é o de Ramón Velásquez Toranzo, que em dezembro de 2006 decidiu empreender uma marcha com a mulher e a filha de 18 anos por toda a ilha pedindo respeito aos direitos humanos e liberdade para presos políticos. Em poucos dias, foram cercados por um grupo, acusados de serem “mercenários dos EUA” e ameaçados de morte, sob as vistas da polícia. Em janeiro de 2007, Toranzo foi preso em Camaguey, julgado em três horas e sentenciado a três anos de prisão.

Em março de 2003, o governo de Fidel Castro prendeu 75 dissidentes pelo país — gente que pedia um referendo sobre abertura democrática na ilha, uma iniciativa conhecida como Projeto Varela. Destes, 53 continuam presos.

— O embargo dos EUA tem quase 50 anos e demonstrou não ter surtido efeito. A sugestão da União Europeia de abordagem negociada passo a passo também não surte efeito porque o governo não está interessado em abrir mão do poder. Nossa proposta é reunir países em Europa, Ásia e Américas para exercer pressão com a única exigência de libertar os presos políticos. Isto pode ajudar a acelerar reformas — diz Vivanco.

Pode ser, mas o fato é que nunca a ideia de trazer Cuba de volta à comunidade internacional teve tanta força como hoje. O fim da resolução que impedia o país de se juntar à Organização dos Estados Americanos (OEA) foi acertada este ano com o apoio dos EUA. O próprio Vivanco admite que o embargo americano provoca a simpatia de muitos pela ilha, apesar do regime autoritário. Em outubro, na ONU, o fim do embargo foi aprovado por todos os membros, com exceção de EUA, Israel e Palau, um arquipélago-Estado no Pacífico. E o próprio governo Barack Obama decidiu acabar com algumas restrições nas viagens de cubanos-americanos à ilha e remessas para Havana. Estas decisões são aplaudidas pela HRW porque ajudam a melhorar o nível de vida dos cubanos, mas nada fazem para melhorar a situação dos direitos humanos na ilha.



Milhões para legisladores manterem o embargo
Juan-José Fernández



Miami. Quase 400 legisladores e candidatos americanos receberam US$11 milhões desde 2004 de doadores partidários de manter o embargo a Cuba, segundo o grupo independente Public Campaign, que defende o financiamento público de campanhas políticas. Abrem a lista três congressistas republicanos da Flórida, assim como o candidato republicano à Presidência em 2008, John McCain. Também é significativo que as doações a democratas, quase US$1 milhão, tenham aumentado 50% nos últimos quatro anos. Recentemente, esses financiadores enviaram uma carta à presidente da Câmara, Nancy Pelosi, opondo-se a mudanças na política ao país.

Exilados cubanos criticaram o relatório da Public Campaign e recordaram a falta de liberdade no país. Agricultores e pecuaristas americanos vendem à ilha, “por razões humanitárias”, US$1 bilhão por ano em animais e vegetais. A Guerra Fria acabou, mas os negócios esquentaram. Lincoln Diaz-Balart, diz o relatório, recebeu US$367 mil; o irmão Mario, US$364 mil, e Ileana Ross-Lehtinen, US$240 mil. McCain recebeu US$183 mil, e o senador democrata Bob Menendez, US$166 mil. Os maiores beneficiários seguintes, à exceção do independente Joe Lieberman, são democratas.



De caçada a caçadora
Blogueira cubana fotografa agentes que vigiam seus passos

Angela Góes


Vítima de um sequestro-relâmpago promovido por agentes de segurança do governo cubano há duas semanas, em Havana, a blogueira Yoani Sánchez, de 34 anos, ouviu de seus agressores que fora “longe demais” nas críticas ao regime comunista. Estavam enganados. Cansada do papel de protagonista do que define como “um filme de terror”, a autora do blog “Generación Y” (http://www.desdecuba.com/generaciony/) decidiu dar rosto às pessoas que a vigiam e perseguem diariamente.

Com a ousadia que lhe é peculiar — e que já a levou a ser acusada de inimiga do Estado pela imprensa oficial — Yoani começou a fotografar os homens e mulheres que acompanham a sua rotina à distância, que batem ponto na porta da sua casa e que, muitas vezes, a seguem onde quer que vá. E ainda publicou o resultado do seu novo hobby no blog.

“Minha relação com o cinema sempre foi nas poltronas, na penumbra de uma sala. Até que comecei a viver meu próprio filme, uma espécie de thriller de perseguidores e perseguidos, onde cabe a mim escapar e me esconder (...) Agora, para me defender, comecei a fazer testemunhos desses seres das sombras que, como vampiros, alimentam-se de nossa humana alegria, nos inoculam o temor através da pancada, da ameaça e da chantagem. Indivíduos treinados na coação”, explica a blogueira.

Com um celular em punho, ela registrou a surpresa dos seus algozes ao serem flagrados.

“Acostumados a juntar provas para os processos que todos temos em alguma gaveta, em algum escritório, agora surpreendem-se que nós façamos o inventário dos seus gestos, dos seus olhos, a meticulosa relação dos seus atropelos”, ironiza.

Uma das fotos mostra uma agente do governo tapando o rosto. Em outra, a blogueira capta a total incredulidade do "caçador que virou caça".

— Está louca? — pergunta um deles ao ser fotografado.

Mas Yoani, ao que parece, sabe o que faz. E não tem medo. Mesmo após as agressões sofridas no dia 5.

“Recuperei minha condição de bípede, larguei a muleta”, conta ela, que foi puxada pelos cabelos e chutada pelos agentes do governo que a sequestraram. “Estou de volta.”

Yoani já ganhou vários prêmios internacionais pelo seu trabalho no blog, mas é pouco conhecida em Cuba devido às restrições à internet.

Publicado no jornal O Globo em 19 de novembro de 2009

22 novembro 2009

Ricardinho conquista a vitória mais importante
Depois do longo tratamento de quimioterapia, o campeão é liberado para voltar às pistas

Marco Aurélio Ribeiro



Em julho deste ano, o mundo do turfe foi pego de surpresa com notícia da doença do campeão Jorge Ricardo. Em Buenos Aires, o piloto anunciou que ficaria afastado de quatro a cinco meses para tratar de um câncer linfático, diagnosticado já há algum tempo e que parecia ter ser agravado.

Há mais de dois anos radicado no turfe argentino, o campeão, que por 24 anos consecutivos venceu a estatística na Gávea, afirmou, a época, que este seria o páreo mais difícil de sua vida, mas que lutaria com todas as forças em busca de voltar a fazer o que mais gosta na vida: montar cavalos de corrida.

Ricardinho começou o tratamento de quimioterapia em Buenos Aires, mas decidiu vir ao Rio, onde tem dois filhos, e seguir com o procedimento, sempre acompanhado de especialistas, que desde o início afirmaram que os gânglios seriam perfeitamente tratáveis.A força de vontade do campeão foi fundamental.

Na última semana, Jorge Ricardo foi submetido a uma tomografia e recebeu a melhor notícia de sua vida. A doença regrediu e o piloto poderá voltar a exercitar cavalos de corrida em 15 dias.Com poucos cabelos (em razão da quimioterapia), mas com peso bom — está com 56,5 quilos — Ricardo comemorou o resultado:

— Quero voltar a fazer o que mais gosto na vida. O médico disse que posso voltar a fazer tudo o que fazia antes.

Durante os próximos dois anos, o piloto terá acompanhamento médico, para manter o linfoma estacionado.


Publicado no jornal O Globo em 17 de novembro de 2009
Austrália pede perdão a milhares de crianças
Mais de 500 mil, muitas delas enviadas pelo Reino Unido, sofreram abusos em orfanatos

CANBERRA. O governo da Austrália pediu perdão ontem a centenas de milhares de pessoas que, quando crianças, sofreram abusos emocionais, físicos e sexuais em orfanatos do país durante o século XX. O pedido de desculpas, feito conjuntamente pelo premier, Kevin Rudd, e pelo líder da oposição, Malcolm Turnbull, foi realizado diante de centenas de idosos que padeceram nestes orfanatos públicos.— Sentimos muito. Sentimos que, quando crianças, vocês tenham sido tirados de suas famílias e levados para instituições nas quais, muitas vezes, sofreram abusos — disse Rudd.


— Sentimos pelo sofrimento físico, a inanição emocional e a fria ausência de amor, carinho e cuidado.Sentimos pela tragédia absoluta de infâncias perdidas.

As autoridades se referiram a dois episódios negros do passado do país. Rudd relembrou os “australianos esquecidos”.Segundo uma comissão de investigação do Senado terminada em 2004, cerca de 500 mil crianças, órfãs ou abandonadas pelos pais, foram tratadas com extrema violência durante o século passado.

O segundo episódio mancha a história não somente da Austrália, mas principalmente a do Reino Unido. Entre 1618 e 1967, Londres enviou para suas colônias um número calculado em 150 mil crianças.

Desde 1920, a maioria foi enviada para a Austrália, e este número aumentou depois da Segunda Guerra Mundial.


— Não há outro país do mundo que tenha deportado suas crianças para o outro lado do mundo, e as abandonado — disse John Hennessey, de 72 anos, que tinha 10 anos quando foi enviado. — Eles roubaram a nossa inocência.


Publicado no jornal O Globo em 17 de novembro de 2009

Foi mal, Obama ...



Polêmica do outro lado do mundo
Americanos criticam reverência feita pelo presidente a imperador japonês







WASHINGTON. Imagens do presidente Barack Obama fazendo uma profunda reverência enquanto aperta a mão do imperador japonês, Akihito, em sua primeira escala na viagem à Ásia provocou uma furiosa repercussão no Congresso, na mídia e na internet dos Estados Unidos. Para os críticos, “nenhum presidente americano deve se dobrar para líder de país algum”. A imagem, reprisada desde o fim de semana nas TVs e replicada em blogs na internet, conseguiu eclipsar a viagem em si, especialmente num momento mais importante em que Obama se encontra com os líderes chineses.


A imagem vem acompanhada de críticas amargas dos que acham que Obama vem passando uma imagem de fraqueza dos EUA no exterior ao tratar com reverência a realeza, conversar com inimigos (como quando apertou a mão de Hugo Chávez na Cúpula das Américas) ou pedir desculpas por erros do governo anterior. Os disparos vieram tanto da conservadora Fox quanto da mais equilibrada CNN.


— Não reverenciamos reis ou imperadores.


O fato de os EUA estarem por aí pedindo desculpas é feio e eu nem quero ver — afirmou o comentarista conservador Bill Bennett no programa “State of the Union”, da CNN.


O reitor da Escola de Graduação em Gerência Política da Universidade George Washington, Christopher Arterton, considera a reação um exagero, mas entende que muitos tenham se sentido ofendidos. Afinal, familiares de soldados americanos que morreram lutando contra os japoneses na Segunda Guerra Mundial não se sentem à vontade com a imagem da reverência.


Além disso, o gesto remete a um fato histórico que dá a dimensão do quanto o ato de reverência é desprezado no país.


— Um dia perguntaram ao presidente George Washington se ele achava que a etiqueta do governo deveria incluir uma reverência dos cidadãos em encontros com o presidente. Ele respondeu que não havia reis na América e que ele era apenas um primeiro cidadão — disse.


O Departamento de Estado afirmou que o presidente estava apenas seguindo o protocolo, enquanto políticos democráticos consideraram a reverência “um gesto de cortesia”.


(Gilberto Scofield Jr.)



Publicado no jornal O Globo em 17 de novembro de 2009
Reino Unido se desculpa por exilar crianças
Enviadas a ex-colônias britânicas, elas sofreram maus-tratos

LONDRES. O governo britânico anunciou ontem que pedirá desculpas por enviar milhares de crianças pobres, algumas vezes sem o conhecimento dos pais, para ex-colônias. Sob o programa “Crianças imigrantes”, uma política que terminou há 40 anos, muitos menores pobres foram enviados a países da Comunidade Britânica, especialmente Austrália e Canadá, com a promessa de uma vida melhor.

Mas, segundo a organização de caridade Child Migrants Trust, muitas das sete mil crianças enviadas à Austrália sofreram abusos, acabaram internadas em instituições ou foram obrigadas a trabalhar em lavouras.

Durante a política de assentamento, desenvolvida de 1930 a 1970, muitos pais receberam a falsa informação de que seus filhos haviam morrido.

Segundo uma comissão parlamentar que investigou o caso, o primeiro-ministro Gordon Brown confirmou por escrito que o governo pedirá desculpas em 2010. “É importante que escutemos as vozes dos sobreviventes e das vítimas dessas políticas equivocadas”, diz trecho da carta reproduzido.

O premier australiano, Kevin Rudd, deve hoje mesmo pedir desculpas pelos maus-tratos aos envolvidos no projeto.


Publicado no jornal O Globo em 16 de novembro de 2009